Marianita Ortaça
Do abandono ao ciúme
28/08/2020 14:40
Foto: Arte | Eliara Cruz

Estava absolutamente convencido de que havia deixado de amá-la. Durante dias ensaiei a forma de dizer-lhe que tudo estava terminado. Houve uma discussão banal – nem se quer me lembro porquê – e tive a sensação de que o momento havia chegado. Para minha surpresa ela aceitou sem muita discussão, como se tivesse preparada. Bom... era precisamente isso: nosso caso havia chegado ao fim. Durante duas semanas me senti bastante aliviado; diria até que me senti bem. Foi nesse momento que tive indiretamente uma informação: estava com outro. Custei a crer, senti que minha força era só aparente. Desordenadamente voltaram as imagens do começo de nosso amor. Contra toda lógica me senti traído, não consegui imaginar como foi capaz de fazer isso comigo. Minha vida perdeu todo sentido e só a ideia de voltar a tê-la me deu força para continuar. O absurdo da minha situação é que, como já me ocorreu, ao estar com ela, me desinteresso em pouco tempo, quando a perco – e sempre a perco para outro -, me desespero e tento reconquistá-la. Será que sou desportista e necessito perde-la para reencontrá-la mais tarde? Só que, desta vez ficará comigo para sempre. (Trecho do livro de Alberto Goldin, Freud Explica... como compreender e superar alguns medos e dificuldades do homem moderno.)

No relato acima, podemos observar a complexidade do funcionamento psíquico do indivíduo, mas na realidade a situação é simples e bem comum de encontrar em diversos relacionamentos amorosos. Ocorre que o indivíduo não apresenta um ciúme convencional, ou seja, aquele ciúme que vem do excesso de zelo, algo muitas vezes doentio em torno da ideia de perda, do medo da pessoa amada se apaixonar por outrem e ir embora.

O seu discurso aponta para um rumo diferente do ciúme. Ele deseja perde-la, até mesmo procura por isso, promove essa perda para só então achar algum interesse na companheira. Fazendo uma comparação simples, é como a criança que joga o brinquedo num canto porque se cansou dele, não vê mais graça na brincadeira, mas quando outra criança valoriza seu brinquedo rejeitado, ela o quer de volta. Ou ainda, aquela mulher que se desfaz de um vestido usado pois enjoou dele e quando a vê no corpo de uma amiga acaba enxergando a beleza da peça e chega a almejar de volta ou se arrepender da doação. O sujeito do qual falamos definitivamente não acha graça na companheira, não deseja estar com ela, o que mais lhe importa é recuperá-la, mas para isso precisa perde-la. Quando alguém demonstra algo por ela, entra em cena o desejo de “possuí-la novamente”, pois, para ele, ela se torna interessante somente quando o abandona e diante da valorização alheia.

Infelizmente, como citado anteriormente, homens e mulheres passam grande parte de suas vidas vivendo essa contradição, desprezando e recuperando o ser amado, dando valor somente diante da perda. Esse tipo de comportamento é causa de sofrimento para quem o vive e mais ainda para aquela pessoa que é o objeto de amor e desejo e de desprezo ao mesmo tempo. Procurar ajuda profissional, tentar trazer a consciência aspectos inconscientes para entender a problemática e buscar a elaboração-resolução através do autoconhecimento é o melhor caminho a seguir.

Autor: Marianita Ortaça

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